top of page

Ordem na casa: J.P. Hudson


Olho para a pequena tela do notebook estampando o número dez no canto superior direito da página, levanto as mãos e cubro instantaneamente a boca. Mouse. Teclado. Meu quarto absorto em livros. Lágrimas. E então, o relógio passa a contar os segundos como horas.

Sento-me em minha cadeira, em frente a televisão ligada. Desenhos. Filmes. Reality shows. Notícias. O apresentador aparenta ter os seus trinta e dois anos, duas ex esposas e alguns processos por contas no exterior. Ele inicia a fala apresentando o drama seguinte. Problemas sociais, e não há novidades. Políticos roubam — sem surpresas — o Brasil em crise agora, enquanto a minha iniciou quando nasci. “A educação permanece sem verba”, ele diz. Cortem as bolsas. Apague as luzes. Feche seus olhos. Aplauda a tocha.

Ouço barulhos e vou para a janela.

Carros da polícia, faixas e cartazes. Todos estão caminhando em direção a minha rua. “Vamos todos celebrar esse momento mágico para o Rio de Janeiro e nossa cidade”, ouço alguém falar. Sem dinheiro no bolso e com a faculdade em greve, inicio uma dança das poucas cadeiras em casa. Arrasto os móveis, passo o pano e deixo tudo organizado. Vou para a cozinha. Tento descartar a água que usei para a arrumação, no ralo da pia. Olho incrédulo para a poça formada. Nada desceu. Torno a pegar o balde para mais uma vez enchê-lo, porém dessa vez o esvazio na janela do apartamento.

Lá embaixo o barulho aumenta. Ouço vaias. Gritos.

A televisão diz que os manifestantes apagaram a tocha. Abro um sorriso contido. A vida por hora permanece a mesma, mas do terceiro andar não pude ter mira mais certeira.


bottom of page